Além de oferecer alimentos orgânicos, as plantações coletivas aproximam a comunidade e funcionam como terapia para os males da vida urbana
Brasília foi projetada para ser uma cidade-parque. Lucio Costa pensou em cinturões de árvores que abraçassem as quadras residenciais e em criar um oásis no meio da secura do Cerrado. Mas, hoje, a capital federal ultrapassou a qualidade de parque e tornou-se algo ainda mais interessante: uma cidade-horta.
A Secretaria de Agricultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (Seagri) não possui um número exato, mas estima a existência de aproximadamente 120 hortas comunitárias. Muitas estão dentro de escolas, entretanto, várias tomam os espacinhos abandonados nas quadras do Plano Piloto e das regiões administrativas. Os ambientes são criados e mantidos por moradores, que arcam com os custos e se propõem a cuidar do local em troca de alimentos orgânicos recolhidos direto do pé. Não é só manjericão, cebolinha e salsinha. São plantadas também couve, alface, ervas para chá, plantas medicinais e até árvores frutíferas.
A Lei Distrital nº 4.772/2012, assinada pelo então governador Agnelo Queiroz (PT), garante que a agricultura urbana e periurbana tenha apoio no Distrito Federal. O texto da norma explica quais são os objetivos das políticas de apoio (estimular convívio social e atividades culturais relacionadas com a produção, hábitos saudáveis de alimentação e promover utilização e limpeza de espaços públicos ociosos estão entre os fatores enumerados) e define os beneficiários prioritários, entre outras ferramentas.
Porém, ainda uma política pública mais específica para regulamentar a plantação em áreas vazias e dar apoio às hortas — o fornecimento de água e a garantia de não revogação do espaço, por exemplo, são questões importantes e não discutidas.
Apesar de quase todo mundo gostar de horta, elas não são um assunto livre de polêmica – em abril de 2018, a destruição da horta medicinal do Bloco H da 216 Norte virou notícia no Metrópoles. Depois de muita discussão com os moradores, o síndico do prédio ganhou a queda de braço e mandou pôr abaixo a plantação para implementar um novo projeto paisagístico no espaço. Até uma nota de repúdio assinada por 13 instituições (entre elas o Movimento Nossa Brasília, Conselho Comunitário da Asa Norte, Prefeitura da SQN 416, jornalistas e advogados) foi publicada.
Começou como horta e virou projeto
Movida pela vontade de criar uma horta perto de casa, a engenheira ambiental Dai Ribeiro, 36 anos, resolveu chacoalhar a vida e colocar o plano em prática. Chamou vizinhas, falou com a família e contou o desejo aos amigos. Ela queria achar um lugar onde pudesse plantar algumas espécies, nada muito grande, só para atender a demanda do dia a dia. Foi uma tia servidora pública quem deu a dica: Dai precisava falar com a administração do bairro.
A ideia inicial era encontrar um espaço na Colônia Agrícola Águas Claras, mas, após bater na porta do então responsável, André Brandão, Dai descobriu que não havia lugar livre. Porém, o administrador amou a iniciativa e disponibilizou um espaço na QE 38 do Guará. “A gente chegou aqui e estava tudo tomado pelo mato, tivemos de levantar as mangas e limpar a área. Reativamos o poço e tiramos dinheiro do nosso bolso para começar a trabalhar”, lembra.
Com um ano de vida, a Horta Comunitária do Guará é um case de sucesso. A plantação é diversificada, oferece colheitas a cada 15 dias, abastece a casa das famílias participantes e ganhou um prêmio da Secretaria de Meio Ambiente de Iniciativas Sustentáveis Urbanas. Com o dinheiro, os líderes do projeto desenvolveram um centro de aprendizado e vão ensinar sustentabilidade para duas escolas próximas.
“Queremos fazer uma incentivar sustentabilidade urbana, bem-estar e saúde. Muitas pessoas vêm aqui só pelo convívio. Tem gente que vem pegar um sol, descarregar, tomar um banho de natureza, outros trazem os filhos para ensinar como nascem as coisas. Com a modernidade e a industrialização, nós vamos perdendo a sensibilidade. Está tudo fácil no supermercado”, afirma a engenheira ambiental.
JULIANA CONTAIFER
15/07/2018 17:09 . ATUALIZADO EM 15/07/2018 17:51